Considerações sobre a tributação dos bitcoins

O uso de bitcoins e de criptomoedas em geral gera fenômenos como trocas, transferências de valores e investimentos, dentre outros, que, ao menos em tese, são passíveis de tributação. Assim, diante de sua crescente popularidade, parece-nos importante compreender o que são bitcoins e se eles devem, de fato, ser objeto de tributação. Qual é a natureza jurídica dos bitcoins? São moedas no sentido estrito do termo? São ativos? Produzem rendimentos e/ou ganhos de capital? Ao longo deste artigo vamos examinar se e como essas questões estão sendo tratadas pelas autoridades fiscais brasileiras, questões que se tornam ainda mais relevantes na época da apresentação da declaração de ajuste anual.

Cabe esclarecer, inicialmente, que, para os fins do presente artigo, são consideradas criptomoedas (também chamadas de moedas digitais, moedas virtuais e moedas criptografadas) aquelas que não possuem existência física, sendo criadas por computadores com base em cálculos matemáticos e uso de criptografia, para circulação exclusivamente no espaço digital. É importante destacar que tais moedas são criadas de forma descentralizada, sem a intervenção ou garantia de qualquer governo ou autoridade monetária. Estima-se que atualmente existam cerca de 1500 criptomoedas1, sendo o bitcoin a mais famosa delas. Vale notar que, apesar de eventuais percalços, os bitcoins, que surgiram no ambiente da crise financeira internacional de 2008, existem há quase 10 anos, de forma segura e sem fracassos relevantes, apresentando mais liquidez e maior volume de negociação com relação às demais criptomoedas2.

É importante deixar claro que, ao menos em nosso ordenamento jurídico, os bitcoins não podem ser considerados moeda no sentido jurídico do termo. De fato, de acordo com o disposto nos arts. 22, VI e 48, XIII e XIV, da Constituição Federal, bem como nas leis federais aplicáveis, tais como as Leis 8.880/94, 9.069/95 e 10.192/201, o Real é a moeda oficial do país, ou seja, a única que possui curso legal, curso forçado e poder liberatório.

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Cumpre destacar, de outra parte que, como já se manifestou o Banco Central do Brasil (Comunicado 25.306/14), os bitcoins também não se confundem com as moedas eletrônicas (Lei 12.865/13), que representam dinheiro real, soberano, emitido pelo governo, armazenados junto a instituições financeiras em dispositivo ou sistema eletrônico.

Não obstante, é preciso reconhecer que, embora não possam ser consideradas moeda em sentido estrito, os bitcoins cumprem um dos propósitos econômicos da moeda, já que, em certos mercados, são aceitos em troca de bens e serviços, revelando conteúdo econômico. O bitcoin possui, assim, a natureza jurídica de uma utilidade econômica, ou melhor, de um bem incorpóreo que serve como meio de troca. Em consequência, quem utiliza bitcoins para efetuar, por exemplo, a compra de passagens aéreas, não está, ao contrário do que possa parecer, efetuando um pagamento em moeda, mas entregando um bem em contraprestação pelos serviços adquiridos, ou seja, está celebrando um contrato de permuta3, fruto da autonomia privada. Neste contexto Milton Barossi Filho e Raquel Sztain formulam interessante indagação: “estaria a bitcoin nos remetendo a uma nova era de escambos?”4

Antes de passarmos ao exame da tributação dos bitcoins, cabe mencionar que os bitcoins são criados através de um processo que se convencionou chamar de mineração. Trata-se de processo altamente complexo que envolve a utilização de computadores potentes, cálculos matemáticos e uso de criptografia. Assim, os bitcoins são adquiridos de forma originária através da mineração. Em tese qualquer pessoa que tenha um computador e o software adequado pode minerar bitcoins. Contudo, com o passar do tempo o processo foi se tornando cada vez mais complexo, exingindo uma capacidade de processamento computacional muito grande, o que gera custos elevados, especialmente relacionados com as tarifas de energia. Desta forma, a tarefa acabou se concentrando nas mãos de grandes mineradores, que trabalham individualmente ou em conjunto, investindo altas somas de recursos. Também é possível adquirir bitcoins de forma derivada. Tal aquisição pode decorrer da troca de bens ou serviços por bitcoins, de negociação direta com quem possua bitcoins ou, ainda, da entrega de moedas oficiais (ou outras criptomoedas) ao titular dos bitcoins, da mesma forma como ocorre com os contratos de câmbio tradicionais, o que normalmente é feito por meio de plataformas online.

No que se refere à tributação dos bitcoins, a legislação brasileira não contém regra específica. Contudo, isso não impediu a Secretaria da Receita Federal de se manifestar sobre a matéria com fundamento na regra genérica de tributação de ganhos de capital contida na Lei 8.981/95 e na Lei 11.196/05.

Com efeito, no manual “Perguntas e Respostas – Imposto de Renda Pessoa Física 2017”5, a Secretaria da Receita Federal consagra o entendimento, que permanece válido para a declaração de 2018, de que as criptomoedas devem ser declaradas na “Ficha Bens e Direitos” da declaração das pessoas físicas como “outros bens”, equiparando-as a um ativo financeiro.

No citado manual, a Receita Federal esclarece que as criptomoedas devem ser declaradas pelo respectivo valor de aquisição, observando, entretanto, que como não há cotação oficial, nem um órgão central responsável por sua emissão, também não há uma regra legal de conversão para fins tributários. Em consequência, é preciso que as operações em questão estejam devidamente documentadas para justificação do valor adotado.

Note-se que, nos termos do entendimento manifestado pela Receita Federal, os ganhos obtidos com a alienação de criptomoedas cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados pelo imposto de renda, a título de ganho de capital, à alíquota é de 15% (quinze por cento), devendo o recolhimento ser feito até o último dia do mês seguinte ao da alienação, utilizando–se o GCAP (“Programa de Apuração dos Ganhos de Capital”).

Cumpre acrescentar que, embora não haja menção expressa às pessoas jurídicas, parece-nos que elas também estariam sujeitas à tributação, já que, como regra geral, integram a base de cálculo do imposto sobre a renda todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, o que incluiria os bitcoins.

Cabe destacar, entretanto, que a manifestação da Secretaria da Receita Federal não esgota o assunto. Com efeito, é de se indagar, por exemplo, qual seria o custo de aquisição de bitcoins adquiridos de forma originária, ou seja, em decorrência do processo de mineração. As despesas relacionadas com o processo de mineração poderiam integrar o custo de aquisição, tal como ocorre com a construção de imóveis, por exemplo? Ou esses bitcoins seriam considerados rendimento de trabalho, tal como entende o fisco americano?

Outra indagação diz respeito ao conceito de alienação. O termo abrangeria somente a troca de bitcoins por moeda (quando há disponibilidade financeira) ou também haveria tributação quando os bitcoins são entregues em pagamento na aquisição de bens e serviços? Haveria tributação quando se utiliza bitcoins para, por exemplo, pagar uma consulta veterinária? Esse pagamento equivaleria a uma alienação para fins tributários? Incidiriam as regras aplicáveis à permuta? Qual seria o local da tributação dos ganhos de capital em caso de transações internacionais? Perdas são compensáveis? A troca de bitcoins por moedas oficiais produziria os mesmos efeitos de um contrato de câmbio, sujeito ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)? Até o momento nenhuma dessas questões foi respondida pelo fisco.

Dúvidas também podem ser suscitadas na esfera estadual: doações e heranças de bitcoins estariam sujeitas ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)? Seriam os bitcoins considerados mercadorias para fins de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)?

Da mesma forma, existem questionamentos no âmbito municipal: a intermediação de compra e venda de bitcoins estaria sujeita ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS)? Qual seria a natureza dos serviços? Em que item da lista anexa à Lei Complementar 116/03 tais serviços seriam incluídos? Como intermediação de câmbio, de contratos ou de bens móveis?

Verifica-se, portanto, que, embora já exista um pronunciamento sobre o assunto no âmbito federal, ainda não há no Brasil definição clara acerca da tributação dos bitcoins, que precisa ser aprimorada.

Não obstante, cabe destacar que nos parece adequada a caracterização dos bitcoins como propriedade (e não como moeda), tal como decorre do entendimento manifestado pela Secretaria da Receita Federal.

Fonte Oficial: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/consideracoes-sobre-a-tributacao-dos-bitcoins-14042018.

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