A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que incide Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre contratos de licença de uso e comercialização ou distribuição de software em que há remessas de valores ao exterior, independentemente de absorção de tecnologia. A decisão foi unânime e refere-se ao período de 2000 a 2006.
Essa foi a primeira vez que o STJ julgou o tema sob a ótica da mudança na legislação em 2007. Os contribuintes aproveitaram a alteração para tentar afastar a cobrança da Cide nos anos anteriores, com o argumento de que com a Lei nº 11.452 ficou claro que só haveria cobrança sobre remessas com transferência de tecnologia na importação. A Cide foi instituída pela Lei nº 10.168, de 2000.
O STJ julgou o assunto ontem em dois processos. Em ambos, os contribuintes alegam que a Lei nº 11.452, de 2007, seria “interpretativa”. Portanto, indicaria que, mesmo antes de sua edição, a Cide deveria incidir apenas nos casos de transferência de tecnologia de informação.
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Já para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), antes da mudança na lei, havia incidência da Cide independentemente da transferência ou não de tecnologia. No julgamento, a procuradora Patrícia Osório reforçou o propósito extrafiscal da Lei nº 10.168, de 2000. Um dos objetivos do texto era proteger e incentivar a indústria nacional. Não se tratava de lei de caráter arrecadatório, segundo a procuradora.
A tese foi julgada em processos da Symantec Brasil Comércio de Software (REsp 1642249) e da Telefonica Pesquisa e Desenvolvimento do Brasil (REsp 1650115). A posição da Fazenda Nacional prevaleceu na 2ª Turma, conforme o voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques.
Para o relator, o conceito de “transferência de tecnologia” previsto na Lei nº 10.168, de 2000, não coincide com o da Lei do Software (Lei nº 9.609, de 1998), que exige a “absorção da tecnologia”.
De acordo com ele, a lei que criou a Cide não exigiu a entrega de dados técnicos necessários à absorção de tecnologia para caracterizar o fato gerador da tributação, mas apenas o fornecimento de tecnologia. “O fornecimento de cópia do programa (software) é ‘fornecimento de tecnologia’ ainda que não haja a ‘absorção da tecnologia’ (acesso ao código fonte) por quem a recebe”, afirma o relator na ementa.
O fornecimento de tecnologia também engloba a aquisição dos direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, segundo Campbell Marques. “Para ser comercializada, a tecnologia precisa primeiro ser de algum modo fornecida a quem vai comercializar. Não há a necessidade de absorção de tecnologia.”
No voto, o ministro lembra do objetivo da Lei nº 10.168, de 2000, de incentivar o desenvolvimento tecnológico nacional – a Cide-Remessas onera a importação da tecnologia estrangeira. “O objetivo é fazer com que a tecnologia seja adquirida no mercado nacional e não no exterior, evitando-se as remessas de remuneração ou royalties”, diz.
A isenção para remessa ao exterior da remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software) desacompanhada de transferência da correspondente tecnologia surgiu em 2006, a partir da Lei nº 11.452, de 2007.
A decisão interessa a qualquer empresa que adquire tecnologia no exterior, desde as pequenas que compram softwares até grandes que adquirem licenças ou integram grupos, segundo o advogado Flavio Carvalho, do escritório Schneider, Pugliese.
O advogado destaca que o ineditismo no julgado do STJ é o argumento baseado na lei de 2007. “O ponto principal era saber se a lei posterior seria um reconhecimento do legislador sobre a cobrança ou uma mudança”, afirma. De acordo com ele, antes da nova lei, o STJ já entendia que cabia a tributação mesmo em casos de transferência sem absorção. Assim, apesar de analisar um argumento novo, manteve seu entendimento.
O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, deve dar a palavra final sobre o tema. Os ministros já reconheceram a repercussão geral de um processo sobre a constitucionalidade da incidência da Cide nas remessas ao exterior. O processo ainda não começou a ser julgado.
As empresas que tiveram os recursos negados pela 2ª Turma ainda podem recorrer no próprio STJ por meio de embargos de declaração (recurso usado para pedir esclarecimentos ou apontar omissões). Caso encontrem julgados sobre a mesma matéria em sentido contrário, poderão recorrer à 1ª Seção. Também é possível levar os processos ao Supremo para discutir matéria constitucional.
Fonte: Valor Econômico