Deixar de recolher ICMS próprio é crime contra a ordem tributária

Os inadimplentes contumazes receberam um duro golpe na sessão de julgamento do HC pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no último dia 22 de agosto do corrente.

O STJ decidiu, com a brilhante atuação estratégica da Câmara Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, que o não pagamento doloso do ICMS próprio, ainda que declarado, caracterizara crime contra a ordem tributária previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90, segundo o qual: é crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.”

O ICMS é um tributo estadual que incide sobre a produção e circulação de mercadorias e alguns serviços, sendo que o seu valor é inserido no preço pago pelo consumidor. Portanto, não é o empresário que suporta o ônus financeiro desse tributo, mas sim o consumidor final. O empresário é apenas o sujeito obrigado a recolher aos cofres públicos o valor do tributo pago anteriormente e que já pertence ao estado.

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No entanto, um significativo percentual desses empresários acaba por não efetuar o recolhimento do tributo, retendo para si o respectivo valor em detrimento de toda a sociedade. Até então se entendia que a simples falta de pagamento de um tributo não poderia caracterizar crime, pois a nossa Constituição Federal não teria contemplado a prisão do devedor civil, salvo no caso do devedor de alimentos. Essa tese foi afastada pelo STF, o qual afirmou que os crimes contra a ordem tributária têm natureza penal e não se relacionam com a prisão civil por dívida (1).

Outro argumento utilizado também é que o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/90 se aplicaria apenas em casos excepcionais, em que há retenção do tributo de terceiro, como no caso das contribuições previdenciárias, na retenção do imposto de renda ou mesmo no ICMS/ST, não se aplicando ao ICMS próprio. É sobre essa tese o STJ se manifestou agora, reconhecendo a existência, em tese, de crime contra a ordem tributária quando não há o pagamento doloso do ICMS declarado, mesmo no caso de ICMS próprio. Acertou, portanto, o STJ ao aplicar a norma o que já vigorava na legislação dos anos 90 e que visa a servir como mais um instrumento para obrigar o contribuinte a se manter de forma regular com o Fisco.

A sonegação de tributos pode chegar a 7 (sete) vezes o valor da corrupção no Brasil, mas pouca atenção a esse fenômeno era conferida pela jurisprudência dos tribunais superiores. Tomara que essa decisão do STJ seja mais um passo importante na construção e sedimentação de um sistema tributário mais justo e eficaz.

No entanto, o nosso sistema ainda tem algumas falhas. A pena para esse tipo de crime ainda é muito pequena, pois a lei prevê a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da multa, enquanto que a pena prevista para o crime de corrupção pode chegar a 12 (doze) anos. Veja-se, portanto, que o legislador se preocupou muito com a probidade na administração pública, prevendo o crime de corrupção cometida por servidores públicos, mas é complacente com o empresário que se apropria de recursos públicos, ao fixar uma pena muito leve.

Além disso, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção, os crimes contra a ordem tributária permitem a extinção da punibilidade pelo simples pagamento do tributo devido. Nesse sentido, é importante que esse crime contra a ordem tributária possua uma pena equiparada ao crime de corrupção, bem como que sejam limitadas as hipóteses de extinção da punibilidade. Assim teríamos mais eficácia no combate à sonegação.

Do ponto de vista fiscal, destacando-se apenas o ano de 2017, todos os Estados e o Distrito Federal receberam juntos cerca de 445 bilhões de reais de ICMS, conforme dados do CONFAZ (2). Não é possível precisar o valor efetivo do que se deixa de arrecadar de ICMS declarado e não pago, mas se isso representar cerca de 20%, percentual esse bem razoável e acatado por especialistas, já teríamos aí um potencial de incremento de arrecadação de cerca de quase 90 bilhões por ano nos combalidos cofres dos estados e do Distrito Federal.

Portanto, o verdadeiro combate à sonegação deve ser acompanhado por mais atenção e investimento na estrutura administrativa de apoio e aparelhamento das procuradorias de estado, pois competem às Procuradorias-Gerais do Estados e do Distrito Federal o combate judicial as fraudes fiscais, que têm impactado, como no exemplo acima, na melhoria da arrecadação fiscal, sem aumento da carga tributária.

É necessário que haja um mínimo de autonomia financeira e de gestão pra que as procuradorias não sejam tolhidas eventualmente por grupos políticos a quem não interessa combater a sonegação de tributos.

O reconhecimento da existência de crime contra a ordem tributária foi uma grande vitória dos estados e do Distrito Federal, que foi conquistada pelo silencioso, profícuo e exitoso trabalho de Procuradores de Estado e do Distrito Federal que ao defenderem o Erário, estão defendendo os recursos necessários à salvaguarda de todos os direitos fundamentais do cidadão e aos custeio das boas políticas públicas.

(1)  ARE 999425

(2) www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms/@@consulta_arrecadacao

 

Fonte: politica.estadao.com.br (01/09/2018)

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