Por Livia Scocuglia
O governo baixou a Medida Provisória 627 que altera praticamente toda a legislação tributária federal sobre o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Especialistas afirmam que a lei é um novo marco na tributação do imposto de renda. O número de alterações é impressionante. Além de revogar o Regime Tributário de Transição (RTT), a medida provisória também fez alterações relativas à tributação de lucro no exterior de pessoas físicas e criou um novo registro fiscal para apuração e pagamento do IRPJ e da CSLL.
A Medida Provisória 627 criou o regime fiscal definitivo. Segundo os advogados Leandro Brudniewski e Camila Reis, do Zilveti e Sanden Advogados, a mudança era necessária porque de 2008 pra frente a contabilidade mudou por completo no Brasil para tentar se adaptar as normas internacionais. “Quando mexe na parte contábil, há um impacto significativo no imposto de renda, porque toda a base de cálculo do IR é com base na contabilidade”, afirmou Camila.
Entre as alterações mais importantes está o fim da neutralidade do International Financial Reporting Standards ou IFRS (Lei 11.638/2007) na apuração do IRPJ e da CSLL. Tal medida decorrente dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos em razão da convergência das normas contábeis brasileiras aos padrões internacionais. O IRPJ e a CSLL serão apuradas por meio de escrituração digital (Sped) cujos registros serão feitos no e-Lalur (Livro de Apuração do Lucro Real digital). O contribuinte fará os registros contábeis e fiscais seguindo as leis comerciais e regras contábeis com base no IFRS e posteriormente fará ajustes de acordo com as leis fiscais para apurar o lucro real e a CSLL no e-Lalur.
Em relação ao e-Lalur, Ana Cláudia Utumi, sócia do TozziniFreire, afirmou que, na prática, já há a escrituração digital para toda apuração de imposto. O artigo só adaptou o que tinha na antiga Lei 1.598 para a nova realidade.
Quanto ao RTT, Ana Cláudia, alerta que o ajuste de avaliação patrimonial, na nova legislação, pode virar tributável para o acionista se não houver um controle individualizado de todas as contas que estão gerando esse ajuste.
Em relação a distribuição de lucros, foi dada isenção com base nas regras do IFRS, no período de 2008 a 2013, e a partir de janeiro de 2014 somente estarão isentos os lucros distribuídos com base nas regras fiscais, o que for distribuído além será tributado. A tributarista Mary Elbe Queiroz, sócia do Queiroz Advogados Associados, aponta que as novas regras da medida provisória passarão a ser obrigatórias a partir de 2015 por conta do princípio da anterioridade. Em 2014, como opção já se aplicam todas as regras novas. Quem não fizer essa opção, pode contar com o sistema atual em 2014.
Ágio regulamentado
A Receita Federal também regulamentou o ágio. Nas aquisições e reorganizações societárias, só vai ser aceito como dedutível, para o IRPJ e a CSLL, o ágio gerado entre as empresas independentes. Sendo assim, os mesmos conceitos da nova contabilidade foram trazidos para o imposto sobre a renda. Não mais será aceita a dedução gerada entre empresas do mesmo grupo.
Na avaliação dos investimentos pela equivalência patrimonial, a MP dispõe sobre o registro separado do valor decorrente da avaliação ao valor justo dos ativos líquidos da investida (mais-valia) e a diferença decorrente de rentabilidade futura. Na hora de comprar uma empresa, primeiro deve-se fazer análise de quanto é o valor justo dos ativos líquidos da investida e a diferença entre o preço pago e o valor justo dos ativos é o ágio de lucratividade futura — a MP já usa a denominação goodwill.
Em relação ao deságio, a medida provisória usou a nomenclatura de contravantajosa — como faz o Código de Processo Civil. E ainda manteve a forma anterior de que o deságio é tributado na incorporação em 60 meses.
Outro ponto importante é a tributação do lucro no exterior. Os lucros das controladas no exterior deverão ser reconhecidos no momento em que forem apurados em balanço. Além disso, a MP altera o momento da tributação dos lucros no exterior auferidos por pessoa física controladora no Brasil nas seguintes hipóteses: a sociedade controlada esteja localizada em paraíso fiscal, ou a pessoa física não possua os documentos da pessoa jurídica domiciliada no exterior; os lucros passariam a ser tributados no momento em que fossem apurados em balanço; ou os lucros das coligadas no exterior somente deverão ser oferecidos à tributação quando da disponibilização.
A MP ainda possibilita que a pessoa jurídica investidora domiciliada no Brasil pague o Imposto sobre a Renda e a CSLL decorrentes de lucros auferidos no exterior por controladas na proporção em que os resultados forem distribuídos. A empresa terá cinco anos para pagar, devendo quitar 25% no primeiro ano. Nos anos seguintes, a empresa deve pagar conforme a margem de lucro e, no último ano, deve ser pagaa diferença.
Outra alteração importante é que no lucro exterior, a MP extende a tributação automática para pessoa física. Quem faz investimento por meio de empresas localizadas em paraísos fiscais vai passar a tributar o lucro em 31 de dezembro de cada ano pelo imposto de renda pessoa física (tabela progressiva). “É um recolhimento separado que deve ser feito até o último dia útil de dezembro e na hora de fazer a declaração de ajuste anual deve-se contar tanto esse lucro quando o imposto pago na declaração de ajuste”, afirma Ana Cláudia.
O que ocorre hoje é que quando é feito investimento no exterior, se o investimento foi feito diretamente como pessoa física em aplicação financeira, todas as vezes em que houver movimentação na aplicação financeira, deve ser tributado. Se o investimento fosse feito por meio de uma empresa que tem as aplicações financeiras, ocorria o efeito portfólio, ou seja, era possível compensar lucros e perdas e também diferir a tributação para o momento em que se distribui esses dividendos.
Agora, com a medida provisória, não há mais esse diferimento. Em 31 de dezembro de cada ano, vai ter de pagar imposto sobre o lucro auferido por meio dessa empresa no exterior.
O diferimento de cinco anos para pagar imposto sobre lucros no exterior só está disponível se a empresa desistir de qualquer processo administrativo e judiciais sobre a matéria que tiver contra a Receita Federal. Ana Cláudia considera a condição abusiva. “Uma coisa é impor a desistência de briga quando for oferecida uma anistia para pagar o passado. Outra coisa é ter o novo regime para pagamento de tributo e disponibilizar esse novo regime só para quem desistir de brigas passadas. Então afronta o tratamento isonômico entre contribuintes em situação contribuinte. O fato de um contribuinte estar discutindo o passado não significa que ele vai deixar de pagar o futuro conforme a nova legislação. Se eu não desistir das brigas passadas, eu vou ter de continuar pagando imposto em 31 de dezembro de cada ano”, reclama.
Fonte: Revista Consultor Jurídico,